Entre o certo e o fácil, é nas pequenas escolhas que a cultura de uma empresa se forma.
O ponto de partida
Recentemente me tornei sócio-fundador de uma nova empresa — que já começa com o pé direito no setor farmacêutico.
Curiosamente, esse é o mesmo setor que, há mais de vinte anos, motivou a fundação da EAI Engenharia.
Essa coincidência me fez refletir sobre o quanto a vida é o maior laboratório que existe, e como certas experiências se repetem sob novas formas, testando nossos valores e reafirmando nossos princípios.
Do início da EAI Engenharia – 2004
Quando fundamos a EAI, éramos recém-formados, com alguma experiência em projetos, montagem e automação industrial voltados ao setor de bioprocesso.
Tínhamos acabado de concluir com sucesso um projeto de sistema de água PW na empresa Marjan Farma, em Santo Amaro (SP).
Aquele projeto nos deu visibilidade e abriu novas portas: chegamos a ser citados em uma reportagem da Pharmaceutical Tech Brasil — uma das principais publicações técnicas do setor farmacêutico no país — e logo começamos a ser convidados para participar de novas concorrências.
Em uma dessas oportunidades, fomos abordados por representantes de empresas concorrentes que, à primeira vista, demonstraram interesse em desenvolver um projeto de colaboração com a nossa recém-nascida empresa.
Mas bastou uma breve conversa para perceber que aquela “colaboração” nada mais era do que uma tentativa de combinação de preços em um processo de cotação.
Recusamos o convite e optamos por declinar do processo, deixando a decisão nas mãos da empresa tomadora — que poderia seguir com os participantes existentes ou buscar novas propostas.
Naquele momento, talvez sem perceber, estávamos definindo o tipo de empresa que queríamos ser — uma que não se alinha por conveniência, mas por valores.
Como eu faria isso hoje em dia?
Hoje, mais de vinte anos depois, me vejo em uma posição semelhante à daqueles empresários que, na época, me fizeram aquele convite.
E às vezes me pergunto:
E se fosse comigo hoje?
O que eu faria com esse novo entrante no mercado — essa “start-up” cheia de energia e vontade de fazer diferente?
Acredito que o mundo — e a mentalidade das pessoas — evoluiu muito desde então.
Hoje temos mais ferramentas, referências e exemplos que mostram ser possível fazer as coisas da maneira certa — não apenas aproveitando o espírito empreendedor e inovador das pessoas, mas direcionando sua energia e envolvendo também seus corações.
Um exemplo que vale a pena ser seguido
Entre 2018 e 2019, o país começava a se recuperar de uma das piores crises econômicas das últimas décadas.
Na EAI, tive que praticamente reestruturar toda a área de projetos, que havia sido profundamente impactada desde 2015, chegando a reduzir o time quase a zero.
Nesse período, eu também estava muito envolvido com o ecossistema de inovação de Campinas, participando de eventos, palestras e encontros com diferentes agentes do setor.
Foi um momento de intensa troca de ideias, onde percebi que algumas práticas que transformavam o mundo da tecnologia poderiam — com as devidas adaptações — ser traduzidas para a indústria.
As grandes plataformas, como Uber e iFood, haviam mostrado o poder de conectar oportunidades a talentos, mas também revelaram um lado mais duro da inovação: a formação de um grande “exército de reserva” — pessoas altamente disponíveis, porém pouco valorizadas, que sustentam modelos baseados na escala, mas não necessariamente no desenvolvimento humano.

Ainda assim, havia algo inspirador naquele modelo.
Essas empresas começaram a investir em treinamentos intensivos e de curta duração, conhecidos como bootcamps, para formar seus próprios programadores e acelerar o aprendizado de quem desejava ingressar no setor.
Foi então que me perguntei:
E se aplicássemos essa mesma lógica de rede — mas com outro propósito — para identificar jovens com aptidão e vontade de crescer no setor de projetos industriais?
Assim nasceu a ideia de buscar talentos diretamente nas instituições de ensino próximas da empresa, criando um modelo experimental que unisse aprendizado e prática, mas com um diferencial essencial:
Em vez de explorar um exército de reserva, formar uma geração de protagonistas.
Como nasceu o Bootcamp
A ideia ganhou forma quando percebi que não bastava reclamar da falta de profissionais qualificados — era preciso criar as condições para que eles surgissem.
E o melhor lugar para começar era onde o entusiasmo ainda está vivo: nas escolas técnicas e universidades da região.
Naquela época, nossa empresa estava localizada em um Distrito Industrial em Paulínia (SP), um pouco afastado das instituições de ensino.
Por isso, decidi alugar um espaço em um coworking na região de Campinas, estrategicamente próximo a duas escolas — uma pública e outra privada — e a cerca de 30 minutos de caminhada de ambas.
Em seguida, entrei em contato com professores e coordenadores que, com generosidade e paciência, ouviram minha proposta e entenderam o propósito do projeto.
Eles me abriram as portas para que eu pudesse conversar diretamente com os alunos, apresentando o trabalho que fazíamos na empresa e compartilhando um pouco da nossa rotina de engenharia e automação industrial.
Durante as palestras, propus um pequeno desafio técnico — uma forma de identificar curiosidade, raciocínio e vontade de aprender.
Expliquei que os melhores colocados seriam convidados para participar de um bootcamp prático de uma semana, no qual detalhariam equipamentos reais que seriam fabricados em nossa unidade de Paulínia.
O projeto terminaria com uma experiência que considero fundamental:
Acompanhar pessoalmente a fabricação dos equipamentos que eles mesmos haviam detalhado em projeto.
Essa vivência, que começou quase como um experimento, acabou se tornando um dos capítulos mais inspiradores da minha trajetória — e um exemplo concreto de que investir em pessoas é a melhor forma de alinhar valores e construir futuro.
O Dilema do Propósito
Enquanto o Bootcamp acontecia, uma pergunta começou a me acompanhar em silêncio:
até que ponto eu estava oferecendo uma oportunidade de aprendizado — ou me beneficiando de uma mão de obra barata?
Essa dúvida foi, talvez, o ponto mais delicado de todo o processo.
Porque, no fundo, ela não dizia respeito apenas à relação com aqueles estudantes,
mas à forma como eu enxergava o papel da empresa no desenvolvimento das pessoas.
De um lado, havia a necessidade prática — o ritmo dos projetos, a escassez de profissionais e a pressão por eficiência.
De outro, existia a vontade genuína de ensinar, formar e abrir caminhos para quem estava começando.
E entre esses dois lados estava o dilema:
Agir de forma conveniente ou coerente com o propósito que sempre guiou a EAI.
A resposta veio de maneira simples e inesperada — numa mensagem de um dos participantes, como pode ser visto em print de mensagem abaixo:

Aquela mensagem mudou tudo.
Percebi que o propósito não está apenas em criar novas tecnologias,
mas em criar novas possibilidades para as pessoas.
Propósito que gera legado
O tempo acabou confirmando esse caminho.
Grande parte dos participantes do Bootcamp, depois de formados, vieram trabalhar na EAI —
alguns estão comigo até hoje, crescendo junto com a empresa.
Outros seguiram seus próprios caminhos e hoje atuam em grandes companhias de engenharia e projetos, levando consigo um pouco da cultura e dos valores que vivenciaram naquele breve, mas intenso, período.
Ver essa rede se espalhar é, para mim, a prova de que o propósito não termina em um projeto.
Ele se multiplica nas pessoas, nas histórias e nas trajetórias que se entrelaçam ao longo do tempo.
No fim, a verdadeira inovação não está em fazer diferente,
mas em fazer sentido — e ajudar outros a encontrarem o deles.
Reflexão final
O dilema do propósito não é escolher entre eficiência e idealismo —
é descobrir que o propósito, quando verdadeiro, se transforma em legado.
Participei do Bootcamp e sou imensamente grato pela oportunidade. Embora não tenha sido aprovado na prova, o treinamento foi fundamental. Na época, mal dominava as ferramentas; hoje, sou um profissional em busca de grandes conquistas, trabalhando em uma empresa de destaque. Percebo que muito da minha formação do tempo de EAI me deu a confiança para encarar novos projetos e dizer: ‘isso é fácil!’ Muito obrigado por pavimentar esse caminho e boa sorte na sua jornada como formador de protagonistas.
Olá Luide, desejo muito sucesso na sua jornada e mande um abraço para seu irmão também. Excelentes profissionais e pessoas.
Como e prazeroso ler este blog e ver sua carreira, pra mim além de um baita empreendedor, você é um incrível professor que tive o prazer de ver em ação, pegando jovens e ensinando do zero sobre projetos e engenharia, sucesso Wagner.
Olá Alexandre, obrigado pelas palavras sendo que torço muito por você e sua família.